Nossos desejos de estar e viver em paz carregam um voto de boa-vontade, porém nos deparamos cotidianamente com a violência, o desconforto, a competição ansiosa nos grupos e relacionamentos, somos impactados por conflitos e com a destruição do planeta, e lidamos com a realidade de maneira que gera sofrimento e desarmonia. Em que medida nossa forma de ser e estar no mundo pode ganhar congruência com esse desejo pacífico primeiro? A investigação dessas questões pode nos levar à compreensão de como essa relação de dá e se retro-alimenta e é capaz de promover uma mudança de paradigma, ampliando nosso olhar sobre nós mesmos, o outro e o mundo. O artigo apresenta um método desenvolvido para grupos em formato de um seminário teórico-vivencial a partir de uma metodologia de educação para paz. Compreende um processo de sensibilização que transita pelos âmbitos das tradições, da filosofia, da ciência e das artes, facilitando a indivíduos e grupos experiências e reflexões que promovem uma nova dinâmica nas relações. Uma forma de comunicação não-violenta, efetiva e afetiva contribuindo para uma convivência mais pacífica e harmoniosa que converge para a construção do mundo que queremos estar e viver.
Palavras-chave: Paz. Cultura de Paz. Educação para a Paz. Liderança Circular. Convivência Pacífica.
1. INTRODUÇÃO
Desejamos Paz. Há um anseio natural por uma condição pacífica em todos nós, saímos de nossas casas para os ambientes sociais que transitamos e não raro, nos solicitamos ou emitimos um voto de que o dia seja pacífico e que haja fluidez em nossa interação com o mundo. É imediata a constatação que os resultados que desejamos nem sempre convergem com esse intento. Ou vivemos ou estamos envoltos por notícias da ineficiente gestão dos conflitos interpessoais e não nos damos conta da urgência de ações no sentido de compreendermos como nossa forma de ser e estar no mundo gera e influencia a realidade que experimentamos e vivemos.
Este artigo apresenta, com bases em uma pedagogia para uma cultura de paz, “A Arte de Viver em Paz”3, criada por Pierre Weil, fundador e primeiro reitor da UNIPAZ – Universidade Internacional da Paz – o desenvolvimento de um método em forma de seminário teórico-vivencial, oferecendo reflexões e vivências acerca de um modelo de gestão para um novo tempo, possibilidades de ação conjunta através de uma visão sistêmica a partir do círculo, resgatando modelos das tradições sapienciais e experiências contemporâneas, desenvolvendo habilidades para uma nova liderança, promovendo a inteireza do ser e a comunicação não-violenta.
Vivemos e padecemos sob o que Weil (2000; 2012) chamou de “fantasia da separatividade” e este é o ponto de partida para compreendermos as bases da metodologia que ele desenvolveu:
Esta separatividade talvez reconhecida ao nascer, estabelece relações de dualidade entre os sujeitos, entre sujeitos e objetos, entre sujeitos e a natureza. O binarismo dessa vivência institui saberes e fazeres nos diferentes campos do conhecimento [...] Superar tal fragmentação é investir na integração dos sujeitos através de suas inteligências física, emocional, mental e espiritual permitindo que essa integração se expresse em novas formas de relacionamento com a natureza e com a sociedade (SOBRINHO, 2012, p.13).
A metodologia para uma educação para a Paz, base da Teoria Fundamental da UNIPAZ, compreende as chamadas três ecologias: Ecologia Pessoal (paz consigo mesmo) Ecologia Social (Paz com o outro) e Ecologia Ambiental (Paz com o Universo) em uma abordagem sustentada pelo paradigma transdisciplinar holístico e em experiências dos valores de uma cultura de paz desenvolvida através da holologia e da holopráxis.
A holologia consiste no corpo de conhecimentos teóricos, de cunho explicativo e/ou descritivo, produzido através da Ciência, da Arte, da Filosofia e das Tradições, que levam à abordagem holística do conhecimento. A visão holística e o viver holístico, entretanto, necessitam do conhecimento de outra natureza: a holopráxis. Para Crema (1995), este é um conjunto de métodos que levam à vivência transpessoal e holística. Tais processos proporcionam vivências de caráter inefável, pois se situam na dimensão humana de transcendência, cujo significado escapa à representação na linguagem comum e no raciocínio lógico. Nestas ocasiões, é possível experienciar a indiferenciação de dois aspectos: o espacial, representado pela idéia de limites entre sujeito-objeto, e o temporal, representado pela perda da noção de linearidade do tempo. A mente está centrada no aqui e agora. Sem essas vivências, a visão holística permanece na compreensão meramente intelectual. A holopráxis, como conjunto, possibilita um caminho na direção da sintonia com o transpessoal, desencadeando o fluir da energia que se expande às demais dimensões constitutivas do ser humano. A holopráxis é um processo privilegiado de participação e impulsionamento da evolução do indivíduo, provocando mudanças na Consciência. A holopráxis, portanto, diz respeito à Psicologia Perene, contida nos caminhos vivos de espiritualidade orientais e ocidentais: as Tradições Sapienciais, especialmente as milenares, e também as escolas mais recentes, dedicadas ao despertar da espiritualidade autêntica. Em suma, holopráxis representa a qualitativa, via da meditação e contemplação (UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DA PAZ - UNIPAZ, 2010, p.10-11).
Tendo como norte esses pressupostos para a educação para a paz, neste artigo iremos discorrer a respeito do desenvolvimento e da formatação do seminário denominado “Liderança e Gestão Circular” e apresentar os resultados alcançados em grupos de indivíduos reunidos em círculos, configuração que promove uma visão integral, onde todos são vistos e ouvidos por todos, todos tem voz e importância; e que oferece continente à diversidade, abertura, confiança e comunicação pacífica. Dessa maneira, tal configuração objetiva dissolver a separatividade, sensibilizando o participante para uma nova relação consigo mesmo, com o outro e com o mundo, contribuindo para relações inteiras e cooperativas.
O seminário é desenvolvido no formato de um workshop de 12 horas/aula contendo apresentação expositiva e teórica e dinâmicas de grupo envolvendo vivências, danças circulares e a construção de um trabalho artístico coletivo que demonstra simbolicamente como se dá a apropriação de seu conteúdo pelo grupo. Estes recursos consolidam princípios de inclusão, diversidade, valorização de talentos e a promoção e acolhida de lideranças circulares.
2. UMA METODOLOGIA PARA A CULTURA DE PAZ
Uma das atividades do Curso de Formação Holística de Base da UNIPAZ compreende a criação de espaços de partilha e convivência abordando os pressupostos da visão holística da realidade preconizada por sua pedagogia.
Assim foi desenvolvido um trabalho chamado “Círculos Holísticos no Costão - Experiência de Abordagem Holística em uma Organização Empresarial” que compreendeu um conjunto de atividades através de um circuito experimental de treinamento direcionado aos colaboradores de um empreendimento de hotelaria em Florianópolis SC, com adesão voluntária dos mesmos atingindo em sua vigência em torno de 450 pessoas (SALLES, 2006).
Esta abordagem teve desdobramentos em atividades de outros programas: O Agentes da Paz na Escola desenvolvido pela Unipaz SC em escolas públicas em Florianópolis através de eventos com alunos do ensino fundamental tendo como objetivo a formação de alunos que atuam na promoção da gestão pacífica de conflitos no ambiente escolar.
Também foi objeto de projeto de PPCC na disciplina de Psicologia Educacional: Desenvolvimento e Aprendizagem no Curso de Graduação Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal de Santal Catarina no ano de 2012 com o tema: “O Fenômeno Bullyng – Ações Preventivas”, pesquisa apresentada em forma de painel no 22º Seminário de Iniciação Científica da Universidade Federal de Santa Catarina em Novembro de 2012.
Das experiências advindas desse conjunto de atividades e da compilação de estudos a partir de um seminário intitulado “A Arte de Liderar em Círculo”, ministrado por May East4 ; da vivência prática da gestão em círculo no Conselho Gestor na UNIPAZ – Florianópolis SC nas gestões de 2007 à 2012; e da coordenação de seu Curso de Formação Transdisciplinar Holística entre 2010 e 2012, foi desenvolvido o seminário “Liderança e Gestão Circular”, objeto desse artigo, tendo por objetivo contribuir para a gestão pacífica de conflitos e a promoção da educação para a paz. Em função da relevância do trabalho desenvolvido, o mesmo foi inserido na grade curricular do curso extensivo oferecido pela Instituição no estado de Santa Catarina.
2.1 EDUCAÇÃO PARA A PAZ
O preâmbulo do ato constitutivo da Unesco nos chama a atenção com a seguinte máxima: “as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que devem ser construídas as defesas da paz” (UNESCO, 2002, p.2); e isso nos aponta a emergência de um novo paradigma que tenha por objetivo a educação para a paz e nos conduza a uma nova forma de ser e estar no mundo, e como bem sinaliza Dulce Magalhães:
Não devemos nos mapear pelo padrão. Não é porque a maioria dos processos educacionais é limitante e limitada que devemos acreditar que esta é a forma correta ou verdadeira. A maioria só espelha a patologia coletiva, como o estresse é padrão nas grandes cidades e a neurose é típica da vida moderna. Isso não significa que o estresse e a neurose são as formas mais convenientes de vida. A maioria não determina o que é certo, só determina qual o padrão que se está seguindo. É momento de revisão de padrão (MAGALHÃES, 2008, p.14).
Conforme Crema (2009), atual Reitor da UNIPAZ, estamos vivendo uma crise sem precedentes. Manifesta-se nos indivíduos e na sociedade, uma crise que nos oferece uma dimensão construtiva, um momento em que, na urgência da paz, da saúde, da inteireza do ser, é capaz de nos despertar oferecendo um campo fértil para alçarmos uma nova condição, um novo olhar, uma nova forma de caminharmos pela existência.
É preciso compreender o quanto nos fragmentamos nos distanciando de nosso centro natural harmônico e de tudo o que é essencial em nossas relações e atividades, processo que gera uma retroalimentação destrutiva que nos convoca de forma urgente e nem sempre ouvida. Estamos sendo chamados a uma parada, ao silêncio e à escuta para o entendimento do nosso próprio ritmo e para darmos início a um movimento novo e mais alinhado com o mundo que queremos. Quando ouvimos uns aos outros percebemos que, apesar de toda diferença, ansiamos juntos pelos mesmos valores que nos unem como humanidade. Vale lembrar essa convocação nas palavras de Dulce Magalhães (2011, p. 28), ao pontuar que “enquanto não nos posicionarmos e não fizermos a escolha, viveremos no mundo que não escolhemos, nem desejamos.”
A necessidade de tal escolha é nítida nas crises das relações, nas dificuldades na gestão de conflitos nos ambientes educacionais e empresariais, nas comunidades e grupos em geral e confirmam o alerta feito pela própria crise: o convite a escolhermos uma nova forma de gerir essa paz almejada e alcançarmos resultados diferentes. Não basta o desejo, o anseio apenas, é necessário a reflexão sobre “o como” e a ação assertiva no empreendimento para a construção desse intento.
De forma a sermos eficazes nisso, é preciso investigar primeiramente o que temos disponível para trilhar a jornada, o que nos fornece uma bússola criativa e o mapeamento para nossa experiência no território da crise. Para tanto, a teoria fundamental da UNIPAZ apresenta o Mapa Transcultural da Inteireza do Ser:
Figura 1 – Mapa Transcultural da Inteireza do Ser (POZZATI, 2003)
Este mapa propõe, ao transitarmos por quatro quadrantes, o simbolismo da interconexão dos mesmos da seguinte forma:
Os quatro elementos água, terra, fogo e ar convergindo, para o quinto elemento;
as quatro funções da consciência, pensamento, intuição, sentimento e sensação convergindo, para a inteireza do ser;
os quatro arquétipos, padrões instintivos universais, o líder, o sábio, o curador e o visionário, convergindo para o pontifex, o criador de pontes sobre todas as fronteiras;
os quatro saberes ou caminhos do conhecimento: as tradições, a ciência, a filosofia e as artes, convergindo para a construção de uma cultura de paz.
A interconexão desses aspectos representam uma harmonização em distintos níveis sistêmicos dentro do paradigma transdisciplinar holístico promovendo um novo nível de consciência. Ao revisitarmos esses caminhos conduzindo-os à uma integração geramos um movimento de mudança qualitativamente diferenciado como guia para aprendizagem e comportamento. Tendo esse mapeamento como referência, na medida em que podemos observá-lo como um circulo ou uma espiral que nos conduz à um novo ciclo de experiências mantendo a observância da importância de cada quadrante, tomamos o mesmo como base para o desenvolvimento da proposta do seminário como veremos à seguir.
2.2 LIDERANÇA CIRCULAR
No seminário “Liderança e Gestão Circular” partimos da apresentação de cunho expositivo dos saberes, estabelecendo o trajeto de um exercício reflexivo daquilo que cada um destes nos oferece, para o desenvolvimento da proposta. Faremos aqui uma suscinta exposição dos aspectos de cada um dos caminhos do conhecimento na forma que são trabalhados.
Ao investigarmos as tradições (figura 1) naturalmente iremos nos deparar com os saberes dos povos originários e relembrar os grupos indígenas e nômades que estabelecem sua convivência a partir dos círculos, seja na forma das aldeias, nos acampamentos, na intenção de segurança e proteção uns dos outros ou nas reuniões de conselho das tribos. Nessas comunidades existe a figura de uma liderança, uma liderança holocentrada5, atenta as expressões e manifestações e também ao silêncio dos indivíduos que fazem parte desse círculo, de forma a definir o caminho mais seguro e produtivo para o coletivo.
Quando se observa o modo como nosso Ancestrais tomavam decisões democráticas em suas reuniões de Conselho percebe-se um grande sentido de Unidade. Sempre que o bem de todos é colocado acima do bem de poucos, o Povo todo lucra, e tem-se assegurado um futuro pleno de abundância para todos. Através desses ensinamentos se percebe que, só quando o Povo inteiro está bem, cada indivíduo pode estar realmente bem (SAMS, 1993, p.218).
Assim, o seminário se dá com o grupo reunido em círculo, onde se estabelece um centro simbólico representando uma chama, um luminar sagrado onde estão os valores que motivam o grupo a reunir-se, as decisões que promovem o bem de todos, a unidade, a sabedoria, estabelecendo conexão com todos, o todo e o princípio de confiança.
Esta confiança é reforçada pelas tradições ao relembrarmos que nossos ancestrais dependeram desse princípio em milênios de experiência nomádica. Uma confiança mútua, fundamental, vínculos profundos que permitiram que nossa espécie sobrevivesse através dos tempos (DISKIN, 2002).
No quadrante da ciência (figura 1) iremos encontrar fundamentação na “teoria dos campos mórficos” de Rupert Sheldrake (1995), campos estes que apresentam uma ressonância própria, arquetípica, invisível apresentada a partir da experiência designada “O Centésimo Macaco” (BOLEN, 2003, p. 25-26), que preconiza que quando um indeterminado número crítico de indivíduos de uma espécie modifica seu comportamento ou atitude, esse novo padrão gera uma consciência comunicada por ressonância para o grupo, afetando todo o sistema, sendo capaz alterar a cultura.
Essa experiência, como uma alegoria, foi inspiradora para o movimento “O Milionésimo Círculo” de Jean Shinoda Bolen, uma “iniciativa [...] catalizadora de uma mudança ética, política e social, convergindo os movimentos contemporâneos, ambientalista, feminista, de espiritualidade feminina, e unindo mulheres dos quatro cantos do planeta numa agenda comum (EAST, 2003).” Embora esse movimento se dê com foco no feminino, por sua formação arquetípica circular conter familiaridade à psique das mulheres, contém uma adaptação aceitável, igualitária aos gêneros, intensificando a cooperação e aproximando emocionalmente pessoas em relações menos hierárquicas e colaborativas em torno de propósitos comuns.
Na filosofia (figura 1), encontramos entre outros filósofos, direção nas reflexões de Theodor W. Adorno, no texto “Educação após Auschwitz”, onde nos chama a atenção para que todo processo educacional tenha como objetivo atuar em prol de que eventos como o ocorrido em Auschwitz jamais encontrem possibilidades de se repetir, o que pontua de forma contundente:
Para a educação, a exigência que Auschwitz não se repita é primordial. Precede de tal modo quaisquer outras, que, creio, não deva nem precise ser justificada. Não consigo entender como tenha merecido tão pouca atenção até hoje. Justificá-la teria algo de monstruoso em face da monstruosidade que ocorreu (ADORNO, 1995).
E nos alerta:
[...] é impossível pleitear amor em situações profissionais, como a do professor com o aluno, o médico com o paciente, o advogado com o cliente. O amor é imediatista e se opõe decididamente a relacionamentos arquitetados. A adesão ao amor – possivelmente na forma imperativa de que devemos proceder desse modo – é um componente da ideologia que preserva a frieza para sempre. Dela fazem parte a compulsão, a repressão, que se opõem à capacidade de amar. A primeira coisa a fazer seria, portanto, ajudar na conscientização da frieza em si e apurar os motivos que a ela levaram (IBIDEM).
Olhar sob essa ótica, realizando um exercício de compreensão de nossos anseios versus os resultados que obtemos como humanidade, mesmo que seja doloroso revisitar fatos tão impactantes em nossa história, concorre de forma crucial para que nos conscientizemos da emergência de novos modelos educacionais. Modelos que alcancem os indivíduos através de outros canais de comunicação capazes de a partir de processos sensibilizadores dissolver as barreiras que fortalecem tal frieza e geram a separatividade. Vale também lembrar Victor Frankl:
Portanto, fiquemos alerta - alerta em duplo sentido. Desde Auschwitz nós sabemos do que o ser humano é capaz. Desde Hiroshima nós sabemos o que está em jogo (FRANKLIN, 2005 apud CREMA, 2010)
Por fim os participantes são conduzindo ao terreno das artes (figura 1),, onde encontramos as holopráxis que permeiam o seminário, capazes de conduzir os participantes à assimilação dos conceitos por canais de comunicação pouco usuais. Isso estabelece uma nova condição nas relações e promove a liderança holocentrada. As holopráxis proporcionam caminhos para que novos acordos sejam feitos e os antigos, revisados, guiando o grupo para o exercício da flexibilidade, da escuta atenta, do respeito e comunhão e por fim da celebração onde a mudança e o novo tem campo fértil para manifestação.
Para tanto, são utilizadas danças circulares que oferecem como ferramenta possibilidades para que o grupo experiencie consciência, integração, autorresponsabilidade e comprometimento com o círculo. Além disso, as danças são recursos para o despertar de lideranças na direção, ritmo e unidade, capazes de conduzir o grupo a resultados harmônicos que favorecem a inclusão de todos os presentes no círculo no desenvolvimento das práticas como conclui Luciana Osteto:
É mesmo um propósito das Danças Circulares trabalharem a tolerância, pois dançando não se discute ideias, toma-se uma atitude, coloca-se na roda a diferença, a intolerância, as divergências e fazemo-las rodarem (OSTETTO, 2005, p.45).
As danças circulares e vivências propiciam o aparecimento, a expressão e o acolhimento das diferenças e revelam a importância da valorização de cada indivíduo para o movimento que permite a roda girar. As danças circulares propostas no seminário são conduzidas de forma a aumentar a cada vez que são sugeridas, o nível da exigência de atenção para consigo mesmo e com o grupo. Essas dinâmicas objetivam que os participantes possam identificar através dos resultados que obtém nas coreografias e movimentos do coletivo, o impacto que a jornada téorico-vivencial está produzindo no indivíduo/círculo. Ao ouvirmos anseios, necessidades, propósitos, articulam-se novas possibilidades geradas pelas descobertas que emergem no decorrer das atividades. As manifestações dos próprios participantes sinalizam quais são os valores capazes de manter a unidade, a comunhão e a dinâmica do círculo com toda a diversidade que contém.
Os participantes são orientados a manifestarem essas constatações através de um exercício comum, utilizando materiais como papéis coloridos, recortes de revistas, adereços em uma colagem que resulta em uma Mandala6 coletiva tendo sua produção na etapa final do seminário. Esse momento convida o grupo a experimentar a abertura e a disponibilidade promovida pela jornada que empreendeu ao construir algo material cooperativamente, o que consolida o comprometimento com uma nova escolha para cada individuo e para o círculo. Uma oportunidade de exercitar os valores que o próprio grupo considerou como essenciais para sua sobrevivência e manutenção estabelecendo uma nova conexão. Ao empoderar as lideranças em confiança, a atividade é capaz de dissolver as barreiras do medo, da ansiedade e da expectativa em um processo de transformação que ocorre desde o centro do ser, em nível individual e desde o centro da mandala do círculo envolvendo à todos de forma efetiva e afetiva, manifestando o potencial receptivo e criativo que o círculo alcançou. O “fazer” a Mandala transpõe a competição e é realizada em cooperação, onde se experiencia o poder “com” o outro e não “sobre” o outro. O grupo vivencia no processo um “aprender a fazer” inovador e surpreendente para muitos transformando a visão de liderança. Na mandala são registrados os princípios e valores acordados para que, em um processo simbólico, essa nova perspectiva ganhe raízes nesse coletivo.
2.2.1 VIVENCIANDO O CÍRCULO
Aqui registramos dois eventos, realizados nas 12º e 13º turmas do curso de Formação da UNIPAZ nas cidades de Florianópolis e Balneário Camboriú (figura 1 e figura 2), respectivamente em Junho de 2013 e Novembro de 2014, alcançando em torno de 40 pessoas nos dois grupos. Os eventos obtiveram respostas positivas (tabela 1 e tabela 2), baseadas nas avaliações dos participantes, no que se refere a qualidade e exposição de conteúdo, desenvolvimento de dinâmicas, utilidade para harmonização de sentimentos e alcance dos objetivos propostos.
AVALIAÇÃO DO SEMINÁRIO / 2013 |
Excelente |
Bom |
Regular |
Ruim |
1. Qualidade/Conteúdo do Seminário |
18 |
06 |
|
|
Facilitador 2.1 Abordagem do tema |
17 |
07 |
|
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2.2. Comunicação |
18 |
06 |
|
|
3. Dinâmica e/ou vivências |
17 |
07 |
|
|
4. Utilidade para harmonizar sentimentos |
15 |
09 |
|
|
5. Estado de Espírito após o seminário |
15 |
09 |
|
|
6.Minha Presença(consciente /participativa) |
11 |
12 |
01 |
|
7. Integração: Eu x Grupo |
13 |
10 |
01 |
|
8. O Seminário atingiu os objetivos propostos |
18 |
06 |
|
|
9.Contribuição do Conteúdo do Seminário: 9.1. para meu auto-desenvolvimento |
16 |
08 |
|
|
9.2. para a atividade que desenvolvo |
15 |
09 |
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|
Tabela 1 – ficha de avaliação do seminário “Liderança e Gestão Circular” da 12ª Turma do Curso de Formação Holística de Base da UNIPAZ – SC. Florianópolis, 2013.
AVALIAÇÃO DO SEMINÁRIO / 2014 |
Excelente |
Bom |
Regular |
Ruim |
1. Qualidade/Conteúdo do Seminário |
17 |
|
|
|
2. Facilitador: 2.1. Abordagem do tema |
17 |
|
|
|
2.2. Comunicação |
16 |
1 |
|
|
3. Dinâmica e/ou vivências |
16 |
1 |
|
|
4. Utilidade para harmonizar sentimentos |
17 |
|
|
|
5. Estado de Espírito após o seminário |
11 |
|
|
|
6. Minha Presença (consciente / participativa) |
13 |
4 |
|
|
7. Integração: Eu x Grupo |
14 |
3 |
|
|
8. O Seminário atingiu os objetivos propostos |
17 |
|
|
|
9. Contribuição do Conteúdo do Seminário: 9.1. para meu autodesenvolvimento |
15 |
2 |
|
|
9.2 para a atividade que desenvolvo |
15 |
2 |
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Tabela 2 – ficha de avaliação do seminário “Liderança e Gestão Circular” da 13ª Turma do Curso de Formação Transdisciplinar Holística da UNIPAZ – SC. Balneário Camboriú, 2014.
Figura 2 – Confecção da mandala coletiva do seminário “Liderança e Gestão Circular” - 12ª turma do Curso de Formação Holística de Base UNIPAZ SC – Florianópolis 2013
Figura 3 – Apresentação da mandala coletiva do seminário ˜Liderança e Gestão Circular” - 13ª turma do Curso de Formação Transdisciplinar Holística de UNIPAZ SC – Balneário Camboriú / 2014
Durante a avaliação os participantes foram convidados a escrever como se sentiram com a proposta do seminário: Alguns feedbacks foram selecionados para representar a experiência alcançada pelo grupo e são importantes para demonstrar como a atividade é capaz de alcançar canais de comunicação e aspectos não usuais promovendo a nova visão de liderança que o seminário propõe.
“Este é um seminário que tocou no meu eu mais profundo. É na magia e na simplicidade do amor que tudo acontece.”
“Foi de grande harmonização para o grupo, a harmonia contaminou a todos.”
“Mais preparado para lidar com os desafios da gestão e da integração do conhecimento adquirido na prática diária.”
“Me sinto bem. Com idéias criativas para transformar, ainda mais, o meio em que vivo.“
“Me sinto muito bem. Feliz e realizada por mais um aprendizado, para minha vida e também profissional.”
“Não querendo mais repetir minhas NÃO ATITUDES. Só hoje compreendi que a paz que tanto, minha alma almeja sentir, está em meu movimento e não em minha acomodação...”
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Liderança e Gestão Circular” propõe uma revisão dos padrões nos processos educacionais, ao retomarmos o conhecimento dos povos originários para compreendermos como nossos ancestrais chegaram até aqui; ao nos valermos das elucidações filosóficas dos grandes pensadores; ao acolhermos os avanços científicos com todas as benesses que a civilização e suas experiências nos legou; e ao vivenciarmos a arte com seu alcance capaz de nos sensibilizar a partir de nosso próprio reflexo. Essa revisão proporciona o encontro de um novo caminho ao retomar a direção da roda da vida, saindo do círculo vicioso que vivenciamos para transformarmos à realidade experimentando todas as possibilidades de acessar o círculo virtuoso que nos conduz à convivência pacífica.
O seminário oportuniza a investigação de novas respostas em cada individuo que se propõe a realizar esse trajeto de reflexão com abertura e confiança sensibilizando o participante para a agência de um novo modelo para gerir suas relações, consigo mesmo, com o outro e com o universo.
Através das manifestações e retornos nos participantes do seminário, no próprio desenvolver das propostas e no que o grupo acolhe como sentido e como seu, observamos equipes, comunidades e famílias proporcionando valiosas respostas a efetividade do método. Importante dizer que esse viver e enxergar o mundo como circular, onde me exponho além dos medos, sou visto, vejo, sou ouvido, ouço, elevo o debate ao diálogo, e onde não houver diálogo tomo consciência que pode existir respeito e convivência pacífica, também encontra ressonância ao ser utilizado em cada encontro, cada relacionamento e em cada interação com outro indivíduo.
Essa visão integral e holística pode nos conduzir a experiências capazes de nos revelar de que forma temos caminhado, ampliar nossa percepção e consciência de que o mundo que habitamos é o exato reflexo da forma como o vemos internamente. E isso tudo pode ocorrer através de pequenas ações em pequenos grupos, pela abertura de lideranças comunitárias, de empresas, instituições educacionais, associações de pais e mestres, entre outras, a exemplo de bem sucedidas experiências que temos notícia ao redor do mundo onde as pessoas estão comprometidas com o propósito de cultura de paz. É absolutamente necessária a revisão de nossas referências internas acerca de nossos valores para o entendimento do que compreendemos como paz, amor, liderança e cooperação e de que forma essa compreensão gera e afeta a realidade que vivemos.
Jairo Salles Orientadora: Profª Drª Sônia M. B. Tommasi
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Referências
ADORNO, T. W.. Educação após Auschwitz. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995
BINDO, Márcia. Urbanismo sustentável: May East e a Gaia Education. 2010. Disponível em:<http://www.planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cidade/may-east-gaia-education-576067.shtml>, acesso em: 08/11/2015.
BOLEN, Jean Shinoda, M.D. O Milionésimo Círculo. Como transformar a nós mesmas e o mundo. Um guia para círculos de mulheres. São Paulo: Triom, 2003.
CREMA, Roberto. "Pedagogia iniciática: uma escola de liderança". Petrópolis: Vozes, 2009.
DISKIN, Lia. Seminário “Ética e Visões de Mundo”. Seminário ministrado de 08 à 10 de novembro de 2002 no Curso Formação Holística de Base – UNIPAZ. Florianópolis: 2002.
EAST, May. Prefácio à edição brasileira. In: BOLEN, Jean Shinoda, M.D. O Milionésimo Círculo. Como transformar a nós mesmas e o mundo. Um guia para círculos de mulheres. São Paulo: Triom, 2003.
MAGALHÃES, Dulce. O Foco define a Sorte. A forma como enxergamos o mundo faz o mundo que enxergamos. São Paulo: Integrare, 2011.
MAGALHÃES, Dulce. Manual da Disciplina para Indisciplinados. São Paulo: Saraiva, 2008.
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Educadores na roda da dança : formação – transformação. Tese de Doutorado do Programa de Pós Graduação da UNICAMP. Campinas: 2005.
POZATTI, Mauro Luiz. A busca da inteireza do ser: formulações imagéticas para uma abordagem transdisciplinar e holística em saúde e educação. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2003.
SALLES, Jairo. Círculos Holísticos no Costão – Experiência de Abordagem Holística em uma Organização Empresarial. Trabalho de Conclusão de Curso da UNIPAZ (Obra Prima). Florianópolis: 2006.
SAMS, Jamie. As Cartas do Caminho Sagrado. A descoberta do ser através dos ensinamentos dos índios norte-americanos. 6ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
SHELDRAKE, Rupert. A ressonância mórfica & a presença do passado: os hábitos da natureza. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
SOBRINHO, Glória. Introdução à 10ª edição, p.13 In: WEIL, Pierre. A Arte de Viver em Paz. Por uma nova consciência e educação. 10ª edição. Rio de Janeiro: UNIPAZ, 2012.
UNESCO. Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Representação da Unesco no Brasil. Brasília: Unesco Brasília Office, 2002.
UNIVERSIDADE INTERNACIONAL DA PAZ. Eco-Formação Holística de Base - Manual do Aprendiz. Florianópolis: UNIPAZ, 2010.
WEIL, Pierre. A Arte de Viver em Paz. Por uma nova consciência e educação. 10ª edição. Rio de Janeiro: UNIPAZ, 2012.
WEIL, Pierre. A mudança de sentido e o sentido da mudança. Rio de Janeiro: Record – Rosa dos Tempos, 2000.
3 A 26a Assembléia Geral da Unesco recomendou o livro “A Arte de Viver em Paz” como um novo método holístico de educação para a paz em 1992, depois da publicação deste livro nos idiomas francês e inglês, hoje editado em vários idiomas.
4 May East, diretora do Gaia Education, programa vinculado à ONU que dissemina o conceito de urbanismo sustentável. Mora na ecovila Findhorn, Escócia, e viaja o mundo para impulsionar o movimento das cidades em transição (Transition Towns). Desde que foi criado há pouco mais de três anos, gerou mais 8 mil iniciativas de transição e 180 cidades oficialmente reconhecidas espalhadas pelo mundo (BINDO, 2010).
5 A Liderança Holocentrada. Quando criamos este termo, o definimos como sendo correspodente a uma pessoa, um ser humano que busca restabelecer-se como ser, quer dizer, alguém que entrou numa via de desenvolvimento holístico. [...] leva em consideração o homem nos seus planos instintivo-corporal, emocional, espiritual, a sociedade no plano da cultura, da vida social e política e da economia e a natureza nos seus planos de matéria, de vida e de informação, assim como o ser nas suas manifestações holodinâmicas inseparáveis, holoespaciais (espaço_, de holorradiação (energia) e holoconsciencial (consciência cósmica). A liderança holocentrada integra de modo harmonioso todas essas dimensões (WEIL, 2000, p.268).
6 Mandala é uma palavra sânscrita que significa Círculo e nos remete a essência, ao centro da experiência. Atualmente, na pesquisa de aprendizagem acelerada, a mandala é vista como um mapa neuronal, uma forma para acelerar processos de transformação e de alterar padrões mentais através do estímulo visual de cores e símbolos. [...] ao apreciarmos uma mandala estamos aprendendo novas formas de pensar e sentir o mundo e nos liberando do aprisionamento causado por padrões há muito tempo estagnados. É uma forma de dar uma mexida interna e proporcionar um espaço para novas aprendizagens. A mandala também nos ensina uma lição valiosa, pois não é possível ver o centro se estivermos muito perto. Precisamos de distância, de ampliar o espaço do olhar, para ver melhor o centro da mandala. Assim também é com a vida. Precisamos nos afastar de nossas certezas, parar de olhar tão de perto a existência, ampliando o olhar, para ser capaz de enxergar a essência, o centro organizador da vida (MAGALHÃES, 2008, p.19 -20).
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